Jaime Kemp (29/06/2011)
DEUS UNIU. O HOMEM É QUE SEPARA
Autor de livros sobre família, casamento e namoro, diretor da Revista Lar Cristão. O pastor Jaime Kemp falou sobre divórcio e filhos com exclusividade para a jornalista Luciana Mazza. Confira a entrevista na íntegra :
Mazza: Como o senhor vê o divórcio entre casais cristãos? Tem sido algo comum?
Jaime Kemp: Vejo como Deus vê e nos declara em Malaquias 2.16: "Porque o Senhor Deus de Israel diz que odeia o divórcio...". Sim, tem se tornado cada vez mais comum. Jesus, no Novo Testamento, referindo-se ao tempo de Moisés foi muito claro ao dizer que o divórcio era concedido por causa da dureza do coração (Mateus 19.8). Com o passar do tempo, o coração dos cristãos que deveria ser cada vez mais maleável para ouvir e cumprir a vontade de Deus tem se tornado cada vez mais endurecido. Para o mundo, a separação já é vista como normal. E, como a sociedade tem influenciado muito mais a igreja, do que a igreja à sociedade (infelizmente!), seus padrões estão passando para a igreja.
Mazza: Sempre ouvimos a frase "o que Deus uniu o homem não separa" O que acontece, em sua opinião, com os crescentes números de divórcios entre casais cristãos? Será que Deus não uniu?
Jaime Kemp: Não existe essa desculpa de “Meu casamento não foi realizado no céu, Deus não nos uniu!”. Casou? Deus uniu. E a frase é: “O que Deus uniu, não o separe o homem”. É uma advertência. O número de separações cada vez maior entre os casais cristãos tem ocorrido por inúmeros fatores (mas todos decorrentes do endurecimento do coração). Vou citar alguns:
Falta de compreensão do compromisso assumido no casamento.
Influência da mídia através da TV, filmes, livros, revistas que tem banalizado e até desprezado os laços oficiais do casamento.
Expectativas altas demais e irreais. Não atingi-las resulta em desilusão, podendo, assim, conduzir o olhar para “a grama mais verde do vizinho”.
Falta de preparo dos jovens para enfrentar uma vida a dois. Poucas igrejas têm cursos para noivos. Os pastores não deveriam realizar os casamentos cujos noivos não o tenham feito. Esse curso deve abranger e aprofundar os 3 itens anteriores.Portanto, Deus uniu. O ho é que desuniu.
Mazza: Quando um casal decide se separar e tem filhos envolvidos. Como deve ser tratada essa situação?
Jaime Kemp: Cada caso é um caso. É muito difícil generalizar. Há pais que não percebem o estrago causado nos filhos e egoisticamente não fazem nada para socorrê-los. Porém, se forem pais cuidadosos, poderão tomar vários passos para minimizar os efeitos negativos nos filhos. Tenho algumas sugestões:
Devem ser abertos e honestos e contar-lhes o que está acontecendo. Naturalmente, usando palavras adequadas à idade e não denegrindo a imagem do cônjuge.
Não devem usar os filhos como suporte emocional, mas buscar apoio e encorajamento com amigos.
Não devem colocar os filhos como “petecas” entre o casal. Os filhos não são objetos de disputa. São pessoas queridas e devem ser respeitadas.
Não devem culpar os filhos. Já é difícil para as crianças terem de lidar com a tendência natural da culpa. Não coloquem mais peso.
Devem resolver o ressentimento com o cônjuge o mais rápido possível. A permanência da raiva acaba se espalhando para os filhos.
Devem providenciar pessoas que possam prestar auxílio emocional aos filhos. Avós, tios, professores, amigos, professores de escola dominical etc.
O cônjuge que saiu de casa deve manter o contato com os filhos. É muito mais difícil enfrentar a situação se o que saiu, seja pai ou mãe, custar a aparecer.
Permita que os filhos tenham seus momentos de dor. Deixe-os chorar. Não reprima suas reações. Eles precisarão lidar com as próprias perdas.
Mantenha a rotina familiar, na medida do possível. É aconselhável que o filho permaneça em sua própria casa, em contato com a vizinhança e freqüentando a escola e a igreja de sempre, para não perder seus referenciais.
Mazza: Filhos de Pais separados serão sempre pessoas infelizes? Existe algo que se possa fazer para modificar essa situação?
Jaime Kemp: Não! Apesar das circunstâncias é possível “dar a volta por cima”. Eu mesmo sou filho de pais separados. E você acha que sou uma pessoa triste? Não mesmo! Naturalmente sofri muito com esse fato, pois na época abalou minha segurança. Porém, ao conhecer o amor de Deus ele inundou a minha vida (“O coração alegre é bom remédio, mas o espírito abatido faz secar os ossos” - Provérbios 17.22). Esse foi o ponto mais eficaz. Decorrente disso veio meu chamado para o ministério, meu casamento com Judith, minhas filhas, meus amigos, minha igreja e todos eles, até hoje, são motivos de grande alegria. Minhas tristezas são as mesmas de todo ser humano, perdas de pessoas queridas, planos que não dão certo, vontade de comprar algo, mas não ter o dinheiro para aquilo e coisas assim. Nada que seja patológico. Deus vai transformando a maldição em bênção e hoje, a compreensão do que é ser filho do divórcio abre portas para meu ministério com a família.
Sim. Há muitas coisas que podem ser feitas para ajudar. A igreja, os familiares e os amigos podem se revezar nessa missão. As sugestões a seguir visam os que sentem a dor dessas crianças e desejam ajudar:
Dar atenção individual a cada criança. Cada uma reage de forma diferente. Alguns ficam irrequietos e arteiros em excesso. Outros ficam tristes e deprimidos. O ajudador deve ter amor e compreensão.
Faça contato amigável com os olhos. Isso é muito importante para a criança. Se a criança for pequena, sente no chão com ela para brincar, conversar ou só para fazer um carinho.
Verbalize de forma carinhosa que ela é especial.
Comunique sua preocupação e disposição em ajudar. “Soube que seus pais estão se separando. Sinto muito! Imagino como deve estar difícil para você! Se a criança quiser continuar a conversa, vá em frente. Ofereça-se para orar com ela e por ela.
Descubra o que a criança gosta de fazer e ofereça-se para fazer com ela. Converse antes com a mãe, ou pai.
Ofereça-se para acompanhá-la à escola, se os pais não puderem. Há mães que gostariam demais que alguém as ajudasse nessa área. Muitas tiveram de entrar no mercado de trabalho e não podem faltar.
Envie cartões, telefone para conversar.
Inclua a criança em alguma de suas atividades familiares.
Convide o pai / mãe divorciado para jantar em sua casa com a criança.
Quando notar que o pai / mãe está precisando sair um pouco, ofereça-se para ficar com a criança. Enfim, os filhos do divórcio precisam, principalmente na época da separação, sentir apoio.
Mazza: Como a igreja deve tratar essa realidade? Como devem ser tratadas essas crianças?
Jaime Kemp: A igreja precisa ter um ministério para cuidar desse grupo, que pode ser formado por separados, viúvos e solteiros há mais tempo. Em geral há preconceito e muitos deles sentem como se representassem uma ameaça aos casais.
Mazza: Na separação, geralmente os filhos ficam com a mãe. E muitas vezes o pai se afasta ou é afastado tornando-se um mero provedor financeiro e visitante deixando de conviver com seus filhos. Em sua opinião, quais são as conseqüências disso na vida dos pequenos?
Jaime Kemp: Em 89% dos casos os filhos ficam com a mãe e somente 11% ficam com os pais ou com outros familiares. Algo que se repete em cada família com pais separados é a reclamação do progenitor com quem a criança mora, após os períodos em que ela fica com o ex-cônjuge. O pai / mãe que só fica com a criança no final de semana, em geral age de três formas:
Mima demais a criança, deixando-a mal acostumada, sem os horários e a disciplina aos quais ela está acostumada, e esta ao chegar a casa, reclama “na casa do papai eu não preciso fazer isso!”... Ou...
Deixa a criança com os próprios pais (avós) e vai levar uma vida leviana com farras.
Leva a criança para casa, mas ao mesmo tempo leva outras mulheres (ou homens), impondo à criança um ambiente não recomendável.
A conseqüência, em geral é que o pouco tempo de convívio impede que haja um relacionamento mais profundo entre pais e filhos. E isso torna “o final de semana com o pai” algo indesejável, que pode conduzir a criança a recusar-se a sair nessas datas. E o pai acaba ficando ainda mais ausente. Essa situação pode conduzir a vários problemas, entre eles à homossexualidade devido à ausência da figura masculina na vida da criança, ou a uma influência tão negativa que a mesma acabe recusando-se a “ser como o papai”. Em caso de meninos isso pode ser um fator decisivo. Em caso de meninas pode acarretar uma ojeriza ao casamento em si, e levá-la a uma vida de imoralidade. Não estou dizendo que isso vá, obrigatoriamente, acontecer. Mas que existe a possibilidade de migrar para esse caminho. Há muitos casos que os filhos são mais adultos, mais dependentes de Deus, e passam por essas “guerras” sem receber muitos ferimentos.
Mazza: O que o senhor acha de pais que lutam pelo direito de conviver com os seus filhos? Como o senhor vê a chegada da lei de Guarda compartilhada?
Jaime Kemp: Para falar a verdade, creio que todas essas leis de convívio são meros paliativos. O melhor mesmo para a criança é ter papai e mamãe que se amam e procuram resolver seus problemas juntos. Os filhos não esperam que os pais sejam perfeitos, mas que estejam juntos e trabalhando pelo relacionamento. Mas... Diante de sua pergunta posso dizer que a guarda compartilhada é melhor do que a guarda única cujo filho fica sob total responsabilidade daquele com quem mora. A compartilhada, porém, só deve funcionar realmente, quando o ex-casal, apesar de separados, se dão bem. É preciso que haja respeito e espaço para conversar sobre o bem-estar do filho. E, se esse pai está disposto a brigar pelo filho, poderia canalizar essa disposição para lutar em prol do próprio casamento, porque sem dúvida, essa seria a melhor solução! Porém, quando a separação é realmente inevitável, creio que a guarda compartilhada seja melhor, pois aumenta o envolvimento entre o filho e o pai / mãe ausente.
Mazza: Qual a sua opinião sobre esposas ou maridos que usam a guarda para extorquir o outro lado? Ou ainda que usam seus filhos como moeda de troca?
Jaime Kemp: Criança não é mercadoria. Ela deve ser amada e aceita pela mãe e pelo pai. Se ela perceber que está sendo “negociada” e “usada” seja por dinheiro cash, ou por troca, isso poderá impactá-la negativamente, levando-a a sentir-se desvalorizada e manipulada. Além disso, que já é devastador, princípios e valores errados são aprendidos e não é de se admirar se aquela linda criancinha, ao crescer, venha a ser uma pessoa extremamente falsa e manipulativa.
Mazza: Como o senhor vê hoje o homem moderno? Acha que na pior das hipóteses quando ocorre de fato uma separação, ele tem condições de ter a guarda dos filhos?
Jaime Kemp: Depende do estilo de vida desse homem e do que você está querendo dizer com modernidade. Se o caso for outras mulheres e uma exposição da criança a essa vida, isso pode vir a causar algum tipo de desvio moral, provocar-lhe ciúmes das amigas do pai, e finalmente conduzi-la à amargura, raiva e muitos outros sentimentos negativos. Vamos avaliar: se uma separação de pais com vida íntegra já é profundamente avassaladora na vida de uma criança, quanto mais o será se esses pais levarem vidas levianas!
Nesse caso, creio ser necessário que se vá a juízo. Não é fácil impedir um pai de ver seu filho. Por outro lado, esse pai pode ter essa fraqueza, mas ser íntegro em outras áreas. Isso é muito complicado.
- Quando o afastamento fará mais mal do que bem para a criança? Não seria melhor, por exemplo, estabelecer horários para que o pai vá encontrar com a criança no ambiente dela? Isso é muito difícil. Ainda bem que não sou juiz!
Mazza: Que conselho o Senhor dá para pais que já estão separados, mas querem o melhor para seus filhos e querem voltar a ser felizes?
Jaime Kemp: Depende do que você quer dizer com essa palavra “separados”. Se ainda houver alguma possibilidade de reconciliação, esse é o melhor caminho para todos. O casal pode vir a resgatar o relacionamento e reestruturar seu lar. Essa decisão pode implicar aconselhamentos com pastores, com psicólogos (cristãos), e num compromisso por parte do casal de tentar por todos os meios restaurar o relacionamento. A alegria dos filhos que vivenciam um retorno dos pais é indecifrável. Já vi muitos casos assim. Deus ainda opera milagres, gente!
Mas, também é um ponto muito polêmico:
Há os que interpretam a Bíblia e acham que não há nenhuma possibilidade de um novo casamento para os divorciados, sob qualquer circunstância.
Há os que acham que qualquer pessoa tem o direito de tentar ser feliz, seja qual for o motivo que a tenha levado ao divórcio, e seja qual for o número de vezes. Conheço pessoas que já estão em seu terceiro ou quarto casamentos!
E a terceira posição, é a de que se houver imoralidade sexual por parte de um dos cônjuges, ou abandono do lar, o outro está livre para casar-se novamente – no Senhor, ou seja um casamento cristão (Mateus 19.9). Essa é a mais aceita e a que tem sido mais usada entre os cristãos.
Há, no entanto, servos preciosos de Deus que não chegaram até hoje a um consenso em relação a esse assunto. Em todos os casos, porém, as lições sobre PERDÃO e RECONCILIAÇÃO continuam na Bíblia e devem ser aplicadas também no contexto do casamento.